Felipe Gibson - O POTI
Um cartão postal de belas dunas que faz do turismo a  principal base de sustento de uma comunidade. Um clima privilegiado de  ventos fortes que levam milhões em investimentos do setor de energia a  uma cidade litorânea. Vocações natas do pequeno município de Galinhos, a  170 quilômetros de Natal, onde duas atividades econômicas consideradas  estratégicas para o estado entraram em rota de colisão quando a  população local se impôs contra a construção do parque eólico Rei dos  Ventos I, do Consórcio Brasventos, sobre as Dunas do Capim, considerada o  grande atrativo turístico da região. Sem acordo conjunto, o caso foi  parar na Justiça, e ganhou um novo capítulo quando cenas de tratores  abrindo espaço na areia passaram a compor o visual do cartão postal.
  
Cercada de águas, a península onde fica Galinhos é habitada por pouco  mais de duas mil pessoas. Com as principais áreas de pesca perdidas após  a instalação de um polo salineiro e uma empresa de carcinicultura nas  décadas de 1980 e 1990, o município passou a apostar fortemente no  turismo há alguns anos. Mais ou menos o tempo em que a cidade passou a  receber empresas interessadas em gerar energia elétrica a partir dos  ventos que passavam pela região. A convivência era de paz até os  moradores tomarem conhecimento, em novembro do ano passado, que o  consórcio Brasventos pretendia instalar os 35 aerogeradores do  empreendimento Rei dos Ventos I justamente em cima das Dunas do Capim.  Além do argumento do impacto ambiental, a comunidade teme a perda do  "diferencial turístico" que a área representa.
A professora do  Departamento de Turismo da Universidade Federal do RN (UFRN), Rosana  Mara Mazaro, classifica o conflito como um "contrasenso" do poder  público. "Os estados deveriam conhecer seus potenciais, o que chamamos  de pilares de desenvolvimento. A questão de Galinhos nos mostra que o  estado não está compatibilizando áreas estratégicas", avalia. De acordo  com Mazaro o argumento se constrói no fato do Instituto de  Desenvolvimento Sustentávele Meio Ambiente (Idema) ter concedido as  licenças prévia e de instalação ao empreendimento mesmo com a existência  de outras áreas potenciais no RN. "Há uma matriz energética  diversificada e o estado tem de pegar o norte do desenvolvimento, mas  vamos com calma. É incoerente quando se pensa em desenvolvimento  estratégico", reforça.
Para consultores e representantes do setor  eólico ouvidos pelo O Poti/Diário de Natal, a falta de diálogo entre  comunidade e empresa desde o início do processo foi determinante para o  caso chegar aonde chegou. "Se há barreira entre empresa e comunidade, a  tendência é o projeto se deteriorar. É preciso que haja um caráter  comunitário, evitando ou fazendo com que o projeto seja readaptado a uma  realidade local. Nesse caso se criou um sistema de animosidade, mas  acredito que a solução está na negociação", avalia o diretor geral do  Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean-Paul  Prates, que exalta a necessidade das empresas criarem planos de  compensações voltadosaos municípios.
Casos como o de Galinhos  aconteceram em estados como o Ceará, onde a Justiça embargou no começo  do ano o empreendimento da Central Eólica Trairi na comunidade de  Flecheiras. Os embates entre comunidades e empreendedores quanto à  construção de aerogeradores sobre áreas de duna tem gerado análises mais  rigorosas por parte dos órgãos ambientais que fazem o licenciamento,  conforme explica a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica  (Abeeólica), Elbia Melo. "Construir em dunas é um pouco mais difícil do  ponto de vista do projeto. Os órgãos ambientais já não estão concedendo  licenças e os projetos já não estão sendo feitas sobre essas áreas",  afirma.
O embate entre comunidade e consórcio gerou duas  audiências públicas e reuniões técnicas intermediadas pelo Idema.  Enquanto os representantes do município pediram a realocação de 23 dos  35 aerogeradores do projeto, o Brasventos só aceitou realocar cinco  equipamentos. Levado à instância judicial, o projeto chegou a ser  paralisado após uma ação civil do Ministério Público Estadual, no  entanto o Tribunal de Justiça do RN autorizou a continuidade da obra  acatando um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE). 
Tratado  como uma das principais preocupações dos representantes da comunidade a  cerca da polêmica, o futuro pós-construção é visto com receio. De fato,  a instalação de um parque eólico se caracteriza por gerar empregos  locais no momento da construção, no entanto os postos de trabalho  reduzem naturalmente na operação, quando entra em cena um novo tipo de  emprego, com profissionais em menor quantidade e mais especializados.  "Depois que estiver instalado como ficará a comunidade? Trata-se de um  emprego temporário, algo que não vai ficar para nós", argumenta a  secretária municipal de Turismo, Chesma Alves.
Um levantamento  elaborado pela professora Rosana Mazaro, da UFRN, identifica que o  turismo beneficia direta e indiretamente 1.100 pessoas em Galinhos. São  281 empregos diretos em pousadas, bares, restaurantes, agências de  receptivo, produção de peças de artesanato, além de passeios de buggy,  charretes, canoas e barcos. Os demais postos de trabalho se dividem no  funcionalismo públicoe na indústria de transformação, setor no qual  cerca de 20 pessoas estão empregadas na salina e na fazenda de camarão.  "Quando já não era mais possível trabalhar com pesca, decidimos unir o  útil e o agradável para trabalhar com turismo", ressalta Chesma Alves,  ressaltando o trabalho de base comunitária desenvolvido a partir do  Projeto Orla, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU/RN).
A  professora Rosana Mazaro, da UFRN, não vê com bons olhos a intervenção  feita em Galinhos. "Impacto tem a ver com longo prazo, pois se trata de  algo definitivo", diz. Com a perda do diferencial competitivo e a  "destruição de um patrimônio", Mazaro crê em prejuízos significativos.  "Turisticamente uma duna com aerogeradores não é tão atrativa quanto uma  duna virgem", afirma a professora, que exalta ainda a preocupação com  os riscos ambientais aos quais as Dunas do Capim estão sujeitas. "Com  essa construção, a tendência é que as dunas desapareçam", observa.
Com  o benefício do emprego perdido no momento da operação, Jean-Paulo  Prates acredita que os ganhos nos municípios devem vir através de  compensações dadas pelo empreendedor. "Em princípio, cidades como  Galinhos não têm tanta oportunidade de receber investimentos desse  tamanho", afirma. Para o diretor geral do Cerne, existem exemplos bem  sucedidos no RN, dos quais ele cita Parazinho, Pedra Grande e João  Câmara, locais onde foi possível gerar transformações sociais com a  instalação de parques eólicos. "A partir de um plano de compensações  visando o comunitário é que o dinheiro do projeto flui para a  comunidade", destaca. 
Comunidade e consórcio não se entendem 
 "Somos  a favor da energia eólica, mas nas dunas não". A frase pode ser  creditada a secretária municipal de Turismo, Chesma Alves Marino, mas  compõe o discurso de praticamente todas as entidades locais envolvidas  no movimento contrário ao parque eólico. Pessoas como o presidente da  Associação dos Bugueiros de Galinhos, Mário Helisson da Silva Lima, o  "Ecinho", ou a presidente do grupo de artesanato local, Francisca  Elielma, a "Branca", fazem questão de deixar claro que a intenção não é  ser contra a geração de energia a partir dos ventos. "O problema é o  lugar", enfatiza o presidente da Associação dos Barqueiros, Antônio  Evaristo Pereira, o "Toinho".
Foi com tristeza também que a  presidente do Grupo de Escoteiros de Galinhos, Maria dos Prazeres  Pereira, assistiu ao movimento das máquinas nas Dunas do Capim. "Até um  cego, mesmo sem ver, entenderia que está errado fazer isso em cima das  dunas", opina. A secretária municipal de Turismo lembra ainda que outro  empreendimento do consórcio Brasventos, o Rei dos VentosIII, não sofreu a  mesma resistência da comunidade, exatamente por não estar em uma área  de tabuleiro que não é tão representativa para a população de Galinhos  quanto as Dunas do Capim. Chesma Alves mostra preocupação com o futuro, e  questiona se as pessoas poderão passar perto dos aerogeradores quando o  parque estiver funcionando.
Do outro lado, o diretor do  Brasventos, James Clark, acredita que o turismo não será tão prejudicado  quanto se pensa. O representante do consórcio conta que não foi  possível ceder mais do que a realocação de cinco aerogeradores. "É uma  questão de ter ou não ter o parque. Os motivos alegados não são  suficientemente fortes para que se faça isso", afirma. Segundo ele o  próprio parque Rei dos Ventos I pode ser utilizado como atrativo  turístico. "A tendência é que fiquem a favor quando souberem as  vantagens que ficarão na cidade. Alguns moradores pleitearam uma mudança  maior, mas não é uma opinião geral", avalia.
Para James Clark a  questão paisagística é muito "subjetiva" para gerar a paralisação do  projeto. "Tem gente que gosta e tem gente que não gosta", diz. A empresa  também esclarece que a circulação de pessoas, veículos, além dos  acessos a praia, não ficarão inviabilizados com a operação da usina na  área das dunas.
Recordando o histórico do desenvolvimento da  energia eólica, o diretor geral do Cerne, Jean-Paul Prates, conta que o  conflito entre a instalação dos parques e o fator visual já aconteceu em  outras partes do mundo. "As eólicas ficam em lugares altos ou paisagens  de praias. Por ser uma energia limpa e de baixo impacto, o grande  empecilho e única alegação que sobra é a questão paisagística", analisa.  Na opinião do especialista a convivência é possível e não é rara, porém  quem mais pode afirmar isso é a própria comunidade. "O ruim seria a má  convivência entre comunidade e empreendimento. A melhor saída agora é o  acerto de contas", conclui. 
 RN não atrai indústrias 
A  discussão sobre benefícios da energia eólica após a construção também  giram em torno da questão fiscal. Como o Imposto Sobre Circulação de  Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido apenas no destino, o RN não  recolhe nada do imposto, já que a energia vai para outras regiões do  país. O que fica na cidade de fato é o Imposto Sobre Serviço (ISS),  colhido durante a construção. De acordo com a prefeitura de Galinhos, o  valor pago pode variar entre R$ 8 mil e R$ 18 mil por mês em um  empreendimento do tipo. Além do plano de compensações proposto por  Jean-Paul Prates, outra saída seria a atração de indústrias de  equipamentos eólicos para o estado.
A presidente da Abeeólica,  Elbia Melo, conta que a chegada de fábricas de equipamentos eólicos já é  uma realidade para outros estados nordestinos, como Ceará, Bahia e  Pernambuco. O RN trava em um grande problema: infraestrutura. "O  problema está associado à questão logística, pois os equipamentos são  por si só difíceis de transportar", diz Elbia, explicando que a  estrutura portuária e de estradas do estado não é atrativa. Desde que os  investimentos em eólica começaram a acontecer, apenas uma indústria  aportou no estado. A fábrica de torres da Wobben, instalada de forma  itinerante em Parazinho para dar apoio à construção do parque de Santa  Clara.
De acordo com a presidente da Abeeólica, pesaram nos casos  do Ceará e Pernambuco a infraestrutura portuária dos portos de Pecém e  Suape, respectivamente. Na Bahia o transporte marítimo também atraiu  indústrias. Apesar de já ter contratado mais de dois mil megawatts nos  leilões de energia entre 2009 e 2011, quase 49% do resultado nacional, o  estado não tem conseguido a mesma atratividade que os vizinhos de  região. 
 Processo polêmico terminou na justiça 
O projeto  Rei dos Ventos I foi aprovado em 2009, quando o consórcio Brasventos  venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Antes  de concorrer, o grupo já tinha uma licença prévia da área, concedida  pelo Idema e que é requisito para participação nos leilões de energia.  Em novembro de 2011, quando requeria a licença de instalação, o  consórcio enfrentou a resistência da comunidade de Galinhos, que àquela  altura tomou conhecimento da localização do projeto na área das Dunas do  Capim.
Presidente da Associação dos Bugueiros, "Ecinho", conta  que chegou a ser contratado pelo consórcio para levar os técnicos da  empresa até as Dunas do Capim. "Me contrataram para marcar os pontos e  foi aí que descobri onde seriam colocados os aerogeradores" recorda. Já a  secretária de Turismo também fez a descoberta por acaso, segundo ela,  quando o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental  (EIA/RIMA) foram entregues já para serem assinados na prefeitura. Com a  posição contrária da comunidade em relação foram iniciadas negociações  intermediadas pelo Idema.
Duas audiências públicas e reuniões  técnicas foram promovidas desde então, no entanto não se chegou a um  consenso. Enquanto a população queria o reposicionamento de mais de 23  dos 35 aerogeradores previstos, a empresa só se dispôs a realocar cinco  equipamentos. James Clark, diretor do consórcio, lembra que a realocação  de cinco aerogeradores procurou preservar uma distância maior da  comunidade de Galos, onde mora parte da população do município, que  ainda compreende o centro de Galinhos e o assentamento rural de Pirangi.  A comunidade não aceita o argumento, pois os equipamentos permanecem  nas Dunas do Capim.
Em janeiro de 2012 um abaixo assinado com 577  assinaturas de pessoas que trabalham com turismo no município foi  entregue à governadora Rosalba Ciarlini, pedindo a realocação do parque  eólico. No mês seguinte o Conselho Estadual de Turismo do RN  (Conetur/RN) se posicionou contrário a instalação do Parque Rei dos  Ventos I. Em ofício assinado peloentão presidente do conselho e  ex-secretário estadual de Turismo, Ramzi Elali, é solicitada a  realocação do empreendimento para uma área que não atinja as Dunas do  Capim.
Atualmente o posicionamento da Secretaria Estadual de  Turismo é outro. Para o secretário Renato Fernandes "há condições de  convivência harmônica entre o parque eólico e o turismo". Assim como o  representante do consórcio Brasventos, Fernandes vê a presença do  empreendimento como mais um plus para o turismo do município. "O parque  eólico passa a ser não um equipamento turístico, mas um atrativo. Não  vejo problemas se forem respeitados o patrimônio e as questões  ambientais", opina.
No mês de março o Ministério Publico emitiu  uma recomendação conjunta para que o Idema não concedesse a licença de  instalação do parque eólico, porém o órgão liberou a construção do  empreendimento. Ainda em abril o MPE ajuizou uma ação civil pública com  pedido de liminar contra o Idema e o Brasventos, entendendo que o órgão  ambiental concedeu uma licença irregular Aliminar é acatada pela juíza  Maria Nivalda Torquato, da comarca de São Bento do Norte, suspendendo a  licença até o julgamento da ação civil. No dia 15 de junho a liminar do  MP e da Comarca de São Bento do Norte foi suspensa através de um agravo  impetrado pela PGE e acatada pelo TJ-RN. O MP pediu reconsideração.